Após mais de duas horas de argumentação, o ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal) Celso de Mello encerrou seu voto pela aceitação dos
embargos infringentes no julgamento do mensalão, garantindo uma maioria
de seis votos pela retomada do julgamento de 12 réus nos crimes de
formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
Os embargos infringentes são cabíveis aos réus que tiveram pelo menos
quatro votos pela absolvição em algum crime. Com isso, terão direito a
um novo julgamento nove réus condenados por formação de quadrilha: José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil), José Genoino (ex-presidente do PT), Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT), Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz (os três, publicitários), Simone Vasconcelos (ex-funcionária de Valério) --cuja pena por formação de quadrilha já prescreveu--, Kátia Rabello e José Roberto Salgado (ex-dirigentes do Banco Rural).
Outros três réus condenados por lavagem de dinheiro poderão apresentar os infringentes: João Paulo Cunha (deputado pelo PT-SP), João Cláudio Genú (ex-assessor do PP na Câmara) e Breno Fischberg (ex-corretor financeiro).
A defesa desses 12 réus terá que esperar a publicação do acórdão da
primeira fase de julgamento dos recursos (quando foram analisados os
embargos de declaração) para apresentar os embargos infringentes. Com a
publicação do acórdão (que deve demorar de 30 a 60 dias), os advogados
terão o prazo de 15 dias, prorrogável por mais 15, para apresentar os
infringentes. A partir daí, um novo relator deverá ser sorteado
--estarão excluídos Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, relator e
revisor da ação penal original, respectivamente.
O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, foi responsável pelo
desempate do placar --em 2012, o magistrado já havia defendido a
validade dos embargos infringentes. Antes de sua decisão favorável a
esse tipo de recurso, já haviam votado da mesma forma os ministros Luís
Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo
Lewandowski. Foram vencidos os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux,
Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.
Em seu voto, o ministro Celso de Mello se empenhou em defender que os
infringentes são válidos porque não existe outra instância à qual os
condenados pelo Supremo posam recorrer. "Não há possibilidade de outro
controle jurisdicional das decisões condenatórias emanadas do STF",
afirmou.
Mello argumentou que mesmo réus com prerrogativa de foro, como os do
mensalão, que são julgados na Suprema Corte e não na primeira instância,
têm direito a outro julgamento (duplo grau de jurisdição). "O direito
ao duplo grau de jurisdição, conforme adverte a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, é também invocável mesmo nas hipóteses de condenações
penais em decorrência de prerrogativa de foro", afirmou o decano.
De acordo com o advogado criminalista Alexandre Daiuto Leão Noal, que assiste à sessão do STF na redação do UOL, a admissão dos embargos e o consequente novo julgamento não é sinônimo de absolvição dos réus.
"O importante é salientar que, independentemente da aceitação dos
embargos pelo Supremo, não significa que haverá mudança no julgamento
que houve no ano passado", afirmou, emendando que, "s houver agilidade
do Supremo", os novos recursos podem ser julgados até o final deste ano.
A discussão acerca dos embargos infringentes se deu em torno da
validade ou não do artigo 333 do regimento interno do STF, de 1980, que
prevê os embargos infringentes. Enquanto os favoráveis a esse tipo de
recurso disseram que o regimento tem força de lei, os contrários
afirmaram que a Lei 8.038, de 1990, tornou nulo o regimento da Corte.
De acordo com Mello, o Congresso Nacional, ao aprovar a Lei 8.038/90,
conscientemente decidiu manter válido o artigo 333 do regimento interno
do STF, que prevê os infringentes. Para o decano, a opção do Legislativo
em preservar o artigo deve-se ao fato de que a Constituição de 1988
tirou do Supremo o poder de criar normais regimentais novas.
Entenda os próximos passos do julgamento após o acolhimento dos infringentes.
Quando o STF começará a analisar os embargos infringentes?
A defesa dos 12 réus só poderá apresentar os infringentes após a
publicação do acórdão, o que deve demorar de 30 a 60 dias. A partir da
publicação do documento, os advogados terão um prazo de 30 dias para
apresentar os embargos, conforme decidiu a Corte nesta quarta-feira
(18). Depois disso, será sorteado um novo relator, que não terá prazo
para liberar o processo para que seja incluído na pauta. Com isso,
é possível que a análise dos infringentes seja feita apenas em 2014.
Todos os ministros poderão participar do sorteio que definirá o novo relator?
Não. De acordo com o regimento interno do Supremo, estarão excluídos do
sorteio o relator e o revisor da ação penal original, ministros Joaquim
Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivamente.
O que pode mudar com a análise dos infringentes?
Com novos julgamentos para os crimes de formação de quadrilha e lavagem
de dinheiro, alguns condenados poderão ser absolvidos e, assim, escapar
do regime fechado de prisão. Para que o réu seja absolvido, são
necessários no mínimo seis votos favoráveis. No entanto, um novo
julgamento não é sinônimo de absolvição, e pode ser que as condenações
sejam mantidas. Por outro lado, também é possível que o crime de
formação de quadrilha prescreva.
É possível que os ministros alterem os votos e acabem absolvendo os réus?
Nada impede que os ministros que participaram do julgamento da ação, em
2012, modifiquem seus votos. A questão é que, com a aposentadoria dos
ministros Cezar Peluso e Ayres Britto, tomaram posse no STF os ministros
Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, que já se manifestaram de forma
favorável aos réus no crime de formação de quadrilha. Assim, seus votos
se juntariam aos dos ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen
Lúcia e Rosa Weber, que em 2012 absolveram os réus desse delito.
Réus que não têm direito aos infringentes podem ter a prisão imediata decretada?
Sim. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pode pedir a
prisão dos réus. O relator do processo e presidente do STF, Joaquim
Barbosa, também pode propor a prisão. Mas, como o acórdão (resumo
escrito) da segunda fase do julgamento ainda não foi publicado e,
portanto, não há transitado em julgado, a prisão imediata precisaria ser
votada pelo plenário do STF.
Esses réus poderão apresentar novos recursos após a publicação do acórdão?
Em tese, sim. Após a publicação do acórdão, os advogados poderão
recorrer com novos embargos de declaração (algo como "embargo do
embargo"), alegando omissões ou pontos que não tenham ficado claros na
decisão. No entanto, se os ministros entenderem que o novo embargo é
meramente protelatório, poderão decretar o transitado em julgado e pedir
a prisão imediata do réu.
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