Colaboração para o UOL, em Maceió
Um dos autores e porta-voz da Lei da Ficha Limpa, o juiz maranhense Márlon Reis acredita que a melhor solução para a atual crise política não seria o impeachment, mas, sim, novas eleições convocadas após uma eventual cassação de Dilma Rousseff e Michel Temer pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). "Essa solução tem o mérito de dar aos cidadãos a palavra final, pois demanda a convocação de novas eleições."
Para ele, as revelações da operação Lava Jato não trouxeram revelações
de práticas novas. "Todos os observadores da política brasileira sabiam
de antemão dessa relação inadequada entre grandes empreiteiras e
governos. Essas práticas marcavam a conduta de todas as empresas que
mantém elevados contratos com poder público", diz.
Em entrevista ao UOL,
Márlon diz ainda que a prática investigada na Petrobras se repete, em
escalas diferentes, em Estados e municípios. "Há apenas uma diferença em
relação ao quantitativo alcançado", comenta.
Leia os principais trechos da entrevista:
UOL
- Nos últimos dias, muita gente tem se dito atônita com as revelações
dos grampos e vazamentos de informações da operação Lava Jato. Mas esse
tipo de negociata já era algo denunciado pelo senhor há anos. Há alguma
prática nova, não conhecida, ou apenas a revelação do que já se sabia?
Márlon Reis - A
operação Lava Jato revela uma série de condutas que constituem uma
decorrência lógica do modelo de financiamento de campanhas que era
adotado no Brasil. O sistema partir de três premissas: fontes
empresariais de recursos, ausência de teto de arrecadação estabelecido
em lei e falta de transparência na prestação de contas eleitorais. A
mensagem transmitida por esse modelo era de que as campanhas deveriam
ser encaradas como uma "corrida pelo ouro". Houve uma
institucionalização do abuso do poder econômico. E lamentavelmente era a
própria lei quem construía esse quadro de degradação política. Todos os
observadores da política brasileira sabiam de antemão dessa relação
inadequada entre grandes empreiteiras e governos. Essas práticas
marcavam a conduta de todas as empresas que mantém elevados contratos
com Poder Público. E invariavelmente comprometiam os mandatos. Antes
mesmo da inclusão da Lava Jato publiquei o livro intitulado " O Nobre
Deputado", onde descrevia relações idênticas ao que está sendo revelado.
O livro foi construído com base em uma série de entrevistas que
realizei com líderes políticos em diversas partes do país.
Essa prática se reproduz em outras esferas de poder?
Essas práticas acontecem desde as menores prefeituras e se reproduzem
nos governos estaduais. Tudo fruto de um sistema anacrônico e que ainda
não está de todo superado. O que mais chama atenção nos desvios
ocorridos no âmbito da Petrobras é o montante dos valores envolvidos.
Esses desvios se repetem em quase todos os estados e municípios, havendo
apenas uma diferença em relação ao quantitativo alcançado.
O meio jurídico também anda dividido por conta das ações do juiz Sergio Moro. A transparência dada ao caso é boa ou há exageros?
Não opinaria sobre as decisões de outro magistrado por respeito à ética
profissional. Por convicção filosófica, digo que a transparência é
sempre preferível ao segredo.
Você entende existir motivo para impedimento da presidente? E de prática de crime eleitoral em 2014?
O impedimento é baseado constitucionalmente em temas políticos. Ele
reclama a existência de fundamentos para a abertura de um processo de
natureza ético-política. Depois disso, ocorre uma medição de forças
baseada em critérios estritamente partidários. O impeachment tem o
demérito de trasladar ao mais alto posto da República alguém que não
conta com a legitimidade do voto. Sem entrar no mérito dos desvios
debatidos no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, é preciso
democraticamente reconhecer que o tribunal tem o papel constitucional e a
legitimidade adequada para descontinuar mandatos eventualmente
conquistados em um quadro de quebra da legalidade. Essa solução tem o
mérito de dar aos cidadãos a palavra final, pois demanda a convocação de
novas eleições.
Que lições você espera que o país tenha
depois dessa crise? Mudaremos ou voltaremos a eleger fichas-suja
normalmente, como sempre fizemos?
O Brasil está
melhorando. Essa crise nos ajudou a eliminar o drama das doações
empresariais. Finalmente conseguimos bani-las do nosso modelo eleitoral.
Também teremos pela primeira vez eleições com um teto de gastos. Penso
que os valores deveriam ser muito menores, mas não posso deixar de
reconhecer o avanço. Além disso, teremos relatórios financeiros
divulgados pelos candidatos durante toda a campanha. Seremos capazes de
saber o quanto dizem haver arrecadado e comparar essa informação com o
volume de campanha. Além disso, temos a Lei da Ficha Limpa, que ajudará a
eliminar candidaturas de pessoas gravemente comprometidas pela mácula
da corrupção. As crises passam. As instituições ficam. Estamos
caminhando.