A criminalidade nos EUA cresceu assustadoramente nos anos 60/70 e
atingiu seu apogeu nos anos 80. O declínio começou a partir de 1990: os
índices de assassinatos e roubos (assaltos) caíram pela metade (ver Erik
Eckholm, The New York Times International Wekly – Folha,
7/2/15). Nova York, que possui um dos menores índices de encarceramento
dos EUA, é uma das cidades que mais reduziram a criminalidade: ela
registrou apenas 328 homicídios em 2014, contra 2.245 em 1990 (redução
de 85%: ver Adam Gopnik, em Revista Jurídica de la Universidad de Palermo,
año 13, n. 1, novembro/2012, tradução de Juan F. González Bertomeu e
colaboradores).
Depois de 20 anos da grande e bilionária reforma penal
de Bill Clinton (de 1994), continua a polêmica sobre as causas da
redução da criminalidade nos EUA. Seria o encarceramento massivo? Nos
anos 80, eram 220 presos para cada 100 mil pessoas; esse número pulou
para 730 em 2010. Indaga-se: era mesmo necessário esse drástico aumento
no encarceramento? Quais fatores mais contribuíram para a diminuição do
crime?
A polêmica é imensa, mas existem alguns consensos (ver
Erik Eckholm, citado): (1) fechamento dos mercados de drogas a céu
aberto (com a consequente redução dos tiroteios); (2) revolução no
policiamento (concentração nos “pontos quentes”, ainda que fossem um ou
poucos quarteirões); (3) policiamento “intensivo” preventivo (blitz
contínuas em toda população: “os pobres nesse caso são os que mais
sofrem, mas também os que mais ganham”); (4) o exagerado número de
condenações por drogas e armas teve papel bastante modesto; (5) o grande
encarceramento foi relevante num período, mas depois foi perdendo sua
importância para a redução dos crimes (posto que afeta
desproporcionalmente algumas minorias: negros, hispânicos e pobres, que
são condenados a longas penas, inclusive por crimes menores; o
encarceramento dos negros é sete vezes maior que a dos brancos); (6)
envelhecimento da população; (7) baixos índices de inflação.
A esses
fatores cabe agregar: (8) o saneamento e o controle rígido da polícia
(evitando ao máximo a corrupção); (9) a melhoria visível da estrutura e
do preparo do policial, bem remunerado (e mesmo assim muitos desvios
ainda acontecem).
A efetiva atuação da polícia se transformou em (10)
alto grau de certeza do castigo (quase 70% dos homicídios são
devidamente apurados e punidos). Muitos desses fatores também se fizeram
presentes em vários países. A baixa da criminalidade desde meados de 90
se deu, assim, em várias partes do mundo (Europa, por exemplo, Canadá
etc.).
A
queda dos crimes, ademais, coincidiu com o declínio (descompressão) de
vários problemas sociais como (11) a gravidez na adolescência e a (12)
delinquência juvenil (fortes, aqui, foram a cultura e o sistema
judicial). Quando os jovens crescem num ambiente mais seguro, eles se
comportam de maneira mais responsável (J. Travis).
Qual o consenso em
2015? O encarceramento massivo foi longe demais (republicanos e
democratas estão reconhecendo isso). O enigma da redução da
criminalidade (nos EUA) não encontra explicação plausível em teorias
simplistas (muito menos simplificadoras e pior ainda nas simplórias, que
tangenciam o senso comum vingativo).
Foram intensas as medidas de
prevenção secundária (obstáculos ao cometimento do crime), mas não podem
ser descartadas para o futuro as de natureza primária (mudanças
socioeconômicas), tais como: (13) o incremento do policiamento
comunitário (aproximando-se o policial da comunidade: é preciso superar o
abismo que separa as forças da lei das minorias sociais); (14) que são
relevantes o enriquecimento da primeira infância, (15) a expansão do
tratamento dos drogados e (16) mais serviços de saúde mental (ver Erik
Eckholm, citado).
O encarceramento massivo seria responsável por
uma baixa diminuição dos delitos (algo em torno de 10%) e mesmo assim a
um custo exorbitante: o dinheiro gasto com prisões aumentou seis vezes
mais que o sistema universitário (educação superior); fala-se ainda na
despersonalização do condenado, no teor vingativo da pena bem como no
enriquecimento das empresas que exploram mercadologicamente os presídios
(privatização dos presídios). A falência da reabilitação criminal
(desenvolvida no norte dos EUA, sobretudo a partir da prisão de
Filadélfia) levou muitos a concluírem que nada funciona (nothing Works, disse Martinson). Daí o conservadorismo encarcerador.
Para o criminólogo Franklin Zimring (A cidade que se tornou segura,
2012, em Gopnik, citado: 155), a grande redução da criminalidade não
decorreu da resolução das patologias profundas que obsessionam a direita
(encarceramento massivo dos superpredadores, redução das mães
solteiras, o fim da cultura do bem-estar social) ou a esquerda
(injustiça social, discriminação, pobreza); nem tampouco da
generalização do aborto, nem de mudanças radicais na situação econômica
do povo, nem alteração étnica, nem na alteração da educação, nem na
tolerância zero: foram pequenos atos de engenharia social desenvolvidos
para impedir o delito que funcionaram (mais policiamento nos lugares
“quentes”; não prisões alopradas de pequenos delitos nos lugares
seguros); blitz generalizada (“os pobres pagaram mais, mas ganharam
mais”) etc.
O ato delitivo é uma questão de oportunidade, seja para os
ricos, seja para os pobres (quanto mais obstáculos, menos delitos).
Muita prevenção e alta certeza do castigo (frente aos delinquentes,
sejam marginalizados, sejam os de colarinho branco). Sem alterar suas
profundas patologias sociais, os EUA conseguiram diminuir a
criminalidade.
Professor Jurista
e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do
Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de
Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).