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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O Gigante do Barreto

CRÔNICA DO PROFESSOR E JUIZ FEDERAL ROBERTO VELOSO


Há certa cumplicidade entre os estádios e os times de futebol. Imaginemos o Flamengo sem o Maracanã, ou o Vasco sem São Januário. Dificilmente o Cruzeiro teria conquistado tantos títulos sem o Mineirão. O Corinthians penou no campeonato brasileiro enquanto esteve afastado do Pacaembu. Os fanáticos palmeirenses atribuem a queda de divisão à ausência do Parque Antártica. Dunga, então técnico do Internacional, reclamava do fechamento do Beira Rio para adaptação às exigências da FIFA para a Copa do Mundo.

No Maranhão, a relação é do Sampaio Corrêa com o Castelão, o Gigante do Barreto. Enquanto esteve interditado, de 2004 a 2012, foram anos de dificuldades futebolísticas. O clube se arrastou pelo Nhozinho Santos, enjeitado, como criança apartada da mãe. Em 2012, com a reabertura, o clube sorriu novamente com a volta à casa materna.

Por ironia do destino, o estádio está fincado em uma das áreas mais pobres e violentas da capital maranhense: o Bairro do Barreto. Lá, porém, moram pessoas de bem, trabalhadoras, que vivem honestamente, apesar de carentes de educação e saúde e atemorizadas pelo tráfico de drogas e pelo alto índice de homicídios.

O Sampaio Corrêa, no entanto, redimiu a todos com a conquista da série D em 2012 e a classificação para a disputa da série B do campeonato brasileiro, em 2013. A torcida compareceu ao Castelão e empurrou bravamente o time em busca da classificação, ao final conquistada em partida realizada em Fortaleza, em estádio com o mesmo nome do maranhense.

Apesar de terem igual tratamento, os homenageados são diferentes. O do Ceará, o lembrado é o ex-presidente da República Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. No do Maranhão, homenageia-se o ex-governador João Castelo Ribeiro Gonçalves. O Castelão de lá presenciou a tristeza de uma torcida pelo não acesso do Fortaleza à segunda divisão. 

Essa situação é de tal maneira dramática, que os alencarinos proclamaram o mau gosto da diretoria do tricolor do Pici – o Fortaleza – de levar o match para o Castelão, alegando que deveriam mandar o jogo no Presidente Vargas. 

No Castelão de São Luís, ao contrário, o Sampaio Corrêa viveu seus momentos de glória. Desde a vitória dramática sobre o rebaixado Rio Branco até a segunda partida da semifinal contra o Vila Nova, com o time já classificado, consagrando o grito de guerra dos tricolores: “Aqui, no Maranhão, quem manda é o Tubarão”.

Esse grito sai engasgado, humilhado, no Nhozinho Santos, não tem a dimensão reservada aos times campeões quando proferido no Castelão. Neste, os adversários tremem ao ver aquela praça de esportes colossal completamente tomada pela torcida. Não se sabe mesmo se seria possível no acanhado estádio municipal a apresentação empolgante do Boi da Maioba e da Tribo de Jah antes das partidas.

Há uma espécie de simbiose bendita entre o estádio e o time do Sampaio Corrêa – a Bolívia Querida. Sim, o Sampaio é chamado de Bolívia. Conta-se que certa vez o embaixador daquele país no Brasil enviou uma delegação ao Maranhão para apurar a notícia estampada no Jornal Pequeno: “Mais de 40 mil bolivianos lotam o Castelão na vitória do Sampaio”. Até hoje não se sabe se é lenda ou de fato aconteceu. Mas se os fatos provam o contrário, como diria Nelson Rodrigues, pior para os fatos.

Foi no Gigante do Barreto que o Sampaio construiu a sua história recente de vitórias. Em 1997, foi campeão invicto da série C do campeonato nacional. Depois, com a reabertura do estádio, campeão invicto da série D, em 2012. E, agora, este ano, a heróica volta à série B. É preciso preservar o estádio e conservá-lo, mas não se pode atribuir exclusivamente ao Sampaio Corrêa a tarefa de dar dignidade aos moradores do Barreto. Eles merecem muito mais.

Roberto Veloso é juiz federal e professor da UFMA e da UniCEUMA

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