Há certa cumplicidade entre os estádios e os times de futebol.
Imaginemos o Flamengo sem o Maracanã, ou o Vasco sem São Januário.
Dificilmente o Cruzeiro teria conquistado tantos títulos sem o Mineirão.
O Corinthians penou no campeonato brasileiro enquanto esteve afastado
do Pacaembu. Os fanáticos palmeirenses atribuem a queda de divisão à
ausência do Parque Antártica. Dunga, então técnico do Internacional,
reclamava do fechamento do Beira Rio para adaptação às exigências da
FIFA para a Copa do Mundo.
No Maranhão, a relação é do Sampaio Corrêa com o Castelão, o Gigante do
Barreto. Enquanto esteve interditado, de 2004 a 2012, foram anos de
dificuldades futebolísticas. O clube se arrastou pelo Nhozinho Santos,
enjeitado, como criança apartada da mãe. Em 2012, com a reabertura, o
clube sorriu novamente com a volta à casa materna.
Por ironia do destino, o estádio está fincado em uma das áreas mais
pobres e violentas da capital maranhense: o Bairro do Barreto. Lá,
porém, moram pessoas de bem, trabalhadoras, que vivem honestamente,
apesar de carentes de educação e saúde e atemorizadas pelo tráfico de
drogas e pelo alto índice de homicídios.
O Sampaio Corrêa, no entanto, redimiu a todos com a conquista da série D
em 2012 e a classificação para a disputa da série B do campeonato
brasileiro, em 2013. A torcida compareceu ao Castelão e empurrou
bravamente o time em busca da classificação, ao final conquistada em
partida realizada em Fortaleza, em estádio com o mesmo nome do
maranhense.
Apesar de terem igual tratamento, os homenageados são diferentes. O do
Ceará, o lembrado é o ex-presidente da República Marechal Humberto de
Alencar Castelo Branco. No do Maranhão, homenageia-se o ex-governador
João Castelo Ribeiro Gonçalves. O Castelão de lá presenciou a tristeza
de uma torcida pelo não acesso do Fortaleza à segunda divisão.
Essa situação é de tal maneira dramática, que os alencarinos proclamaram
o mau gosto da diretoria do tricolor do Pici – o Fortaleza – de levar o
match para o Castelão, alegando que deveriam mandar o jogo no
Presidente Vargas.
No Castelão de São Luís, ao contrário, o Sampaio Corrêa viveu seus
momentos de glória. Desde a vitória dramática sobre o rebaixado Rio
Branco até a segunda partida da semifinal contra o Vila Nova, com o time
já classificado, consagrando o grito de guerra dos tricolores: “Aqui,
no Maranhão, quem manda é o Tubarão”.
Esse grito sai engasgado, humilhado, no Nhozinho Santos, não tem a
dimensão reservada aos times campeões quando proferido no Castelão.
Neste, os adversários tremem ao ver aquela praça de esportes colossal
completamente tomada pela torcida. Não se sabe mesmo se seria possível
no acanhado estádio municipal a apresentação empolgante do Boi da Maioba
e da Tribo de Jah antes das partidas.
Há uma espécie de simbiose bendita entre o estádio e o time do Sampaio
Corrêa – a Bolívia Querida. Sim, o Sampaio é chamado de Bolívia.
Conta-se que certa vez o embaixador daquele país no Brasil enviou uma
delegação ao Maranhão para apurar a notícia estampada no Jornal Pequeno:
“Mais de 40 mil bolivianos lotam o Castelão na vitória do Sampaio”. Até
hoje não se sabe se é lenda ou de fato aconteceu. Mas se os fatos
provam o contrário, como diria Nelson Rodrigues, pior para os fatos.
Foi no Gigante do Barreto que o Sampaio construiu a sua história recente
de vitórias. Em 1997, foi campeão invicto da série C do campeonato
nacional. Depois, com a reabertura do estádio, campeão invicto da série
D, em 2012. E, agora, este ano, a heróica volta à série B. É preciso
preservar o estádio e conservá-lo, mas não se pode atribuir
exclusivamente ao Sampaio Corrêa a tarefa de dar dignidade aos moradores
do Barreto. Eles merecem muito mais.
Roberto Veloso é juiz federal e professor da UFMA e da UniCEUMA
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