Bibi Perigosa, como é conhecida Fabiana Escobar,
de 32 anos, era estudante de Serviço Social na UFRJ. Casou com seu amor
de infância, Saulo de Sá Silva, e tinham tudo para levar uma vida
normal. Não fosse por um detalhe: o marido tornou-se “o Barão do Pó”, um
dos maiores traficantes da Rocinha. Mesmo assim, a blogueira e
empresária continuou ao lado de Saulo e só deixou-o quando cansou de ser
a “Baronesa do Pó” e não receber sequer amor em troca.
Seu perfil já serviu de laboratório para Glória Perez criar
personagens típicas da favela. Para Glamour, Bibi conta um pouco de sua
história e de como seu livro, “Perigosa”, tornou-se a nova aquisição da
Rede Globo:
"O Saulo e eu fomos um caso de amor de infância: nos conhecemos aos 12
ou 13 anos na mesma turma de amigos, nos reencontramos depois, na
adolescência, quando eu namorava outro cara. Daí em diante tivemos
caminhos como os de outras pessoas: casamos aos 17 anos (em 1999),
tivemos filhos e trabalhamos para nos manter – na época ele era carteiro
e estudante de matemática, nem pensava em se envolver com o tráfico.
Até que a situação começou a apertar e ele chegou em casa dizendo:
‘serão só alguns serviços pequenos de entrega’.
Como uma bola de neve, a frequência desses trabalhos foi aumentando e
cada vez mais dinheiro entrando no orçamento da casa. Quando me dei
conta, o Saulo já estava dentro do esquema do tráfico. Mas não foi isso
que fez eu me separar. Tampouco foi o fim da “vida de luxo”. Vivíamos
bem, só que não era algo como as pessoas imaginam. É fácil ter vida de
luxo na favela, quando se tem mais coisas que a maioria das pessoas.
Tínhamos casa, carro, mas nunca me aproveitei de ser a “mulher do Barão
do Pó”. Se eu fosse para uma festa acompanhada de 20 pessoas, pagava a
entrada das 20, não tentava entrada VIP, como outras mulheres de
traficantes fazem.
Mudança de status
Do Saulo eu ganhei carro e outros presentes caros, mas sempre
planejamos como gastaríamos nosso dinheiro. Foi assim com as casas e
automóveis. Os presentes que trocamos eram voltados para a criatividade,
como flores chegando de hora em hora, animais como papagaio, cachorro
com laço, e declarações criativas em carro de som – eu cheguei a jogar
flores para ele de um helicóptero. Claro que o lado financeiro era muito
agradável. O que foi sentido intensamente após nossa separação. O
padrão de vida mudou totalmente. Minha filha só ganhou um iPhone poucas
semanas atrás, porque eu comprei para ela com o meu trabalho. O pai tem
dinheiro para gastar dando casa a uma mulher, pagando implante de
silicone para outra, mas para os filhos, nada. Tenho a guarda deles, o
Saulo logo que foi preso pagava pensão alimentícia, mas hoje não paga
mais, tem até processo em andamento sobre isso. Tenho que ralar para
sustentar meus filhos, que foram acostumados com luxo e sentiram o abalo
na vida financeira.
Tensão constante no ar
Foram muitos momentos de tensão e perigo. A gente se relacionava com
outros traficantes, que se tornavam perigosos não só pelo modo como eram
conhecidos, mas também porque estavam foragidos. Na nossa casa tinham
cinco homens que faziam a segurança, então eles acabavam entrando,
criando intimidade conosco. De tensões em negociações desastrosas a
emboscadas (e fugas) da polícia, muita coisa me marcou. Em uma das fugas
do Saulo da prisão, tive que fazer barriga falsa com mais de R$ 80 mil e
levar o dinheiro para a mulher de outro preso, que entregou a grana a
um agente penitenciário que facilitou tudo. Já em outra ocasião, quando o
Saulo estava preso e eu tinha que me virar para fazer tudo e pagar as
contas, dois policiais de uma delegacia perto da minha casa bateram na
minha porta com fuzis apontados para mim. Quando entraram, me deram um
celular e uma voz medonha me falou para ir à delegacia. O motivo? Eles
queriam arrancar dinheiro meu com a alegação de que eu estava
controlando uma quadrilha de menores e distribuindo drogas pela Tijuca.
Queriam R$ 10 mil. Não tinha a grana, não dei, não cedi à chantagem e
eles, graças a Deus, desistiram dessa ideia maluca. Sabe quando você tem
absoluta certeza de que não fez nada de errado e que, em hipótese
alguma, terão como provar o que estão falando? Foi assim que me senti.
Uma cena que nunca vou esquecer é do meu filho, com 10 anos de idade,
com uma arma apontada para a cabeça dele. Nunca deixei-o tocar nas
armas, embora elas ficassem penduradas na parede e em cima da mesa. Até
quando ele ganhava armas de brinquedo de presente, nosso acordo era ele
se desfazer e dávamos outra coisa a ele. Mas nesse dia de uma
negociação, ele foi dormir e acordou com um fuzil apontado para a testa.
Com o susto, perdeu até o ar. Foi muito triste vê-lo tão pequeno e
inocente, passando por aquilo e não poder fazer nada.
Baronesa do Pó? Nunca mais!
Quando o Saulo foi preso, após a ocupação da Unidade de Polícia
Pacificadora da Rocinha, ainda estávamos juntos, porque eu, como uma
trouxa, insistia em acompanhá-lo. Nos separamos em 2010, após várias
tentativas minhas de manter o casamento. Ele foi detido em 2008, antes
disso fugimos para uma praia em Alagoas, e eu queria muito recomeçar
nossas vidas. Mas o Saulo queria mais: ele estava acostumado à falsa
ostentação do tráfico. As pessoas nesse meio parecem poderosas, sendo
que muitas vezes o status não condiz com o que elas têm realmente na
conta bancária. O problema era ainda maior porque, enquanto o Saulo não
podia se expor, eu resolvia tudo. Foi assim também quando ele ficou
preso. Eu tinha que resolver problemas de casa, dos nossos filhos, dos
negócios pendentes dele, quitar débitos e tudo que ele fazia quando
estava solto. Em troca disso, meu marido não era mais o mesmo. Não havia
mais amor ou carinho. Ele sequer me agradecia. De esposa, passei a ser
uma secretária dele.
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