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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Fabiana Escobar: “Seja mulher de bandido ou de empresário, mas seja honesta consigo mesma”

Mais conhecida como Bibi Perigosa, a ex “baronesa do pó” foi casada com o traficante Saulo de Sá Silva durante 14 anos. Seu livro, de mesmo título do apelido, acaba de ser comprado pela Globo para um novo projeto.


Bibi posou com exclusividade para nossa equipe na Rocinha, no Rio de Janeiro (Foto: Alex Santana)
Bibi Perigosa, como é conhecida Fabiana Escobar, de 32 anos, era estudante de Serviço Social na UFRJ. Casou com seu amor de infância, Saulo de Sá Silva, e tinham tudo para levar uma vida normal. Não fosse por um detalhe: o marido tornou-se “o Barão do Pó”, um dos maiores traficantes da Rocinha. Mesmo assim, a blogueira e empresária continuou ao lado de Saulo e só deixou-o quando cansou de ser a “Baronesa do Pó” e não receber sequer amor em troca.

Seu perfil já serviu de laboratório para Glória Perez criar personagens típicas da favela. Para Glamour, Bibi conta um pouco de sua história e de como seu livro, “Perigosa”, tornou-se a nova aquisição da Rede Globo:
 
"O Saulo e eu fomos um caso de amor de infância: nos conhecemos aos 12 ou 13 anos na mesma turma de amigos, nos reencontramos depois, na adolescência, quando eu namorava outro cara. Daí em diante tivemos caminhos como os de outras pessoas: casamos aos 17 anos (em 1999), tivemos filhos e trabalhamos para nos manter – na época ele era carteiro e estudante de matemática, nem pensava em se envolver com o tráfico. Até que a situação começou a apertar e ele chegou em casa dizendo: ‘serão só alguns serviços pequenos de entrega’.

Num dos muros da favela, o apelido da ex "baronesa do tráfico" está pichado para registrar o quanto ela foi (e é) marcante na história da Rocinha (Foto: Alex Santana)

Como uma bola de neve, a frequência desses trabalhos foi aumentando e cada vez mais dinheiro entrando no orçamento da casa. Quando me dei conta, o Saulo já estava dentro do esquema do tráfico. Mas não foi isso que fez eu me separar. Tampouco foi o fim da “vida de luxo”. Vivíamos bem, só que não era algo como as pessoas imaginam. É fácil ter vida de luxo na favela, quando se tem mais coisas que a maioria das pessoas. Tínhamos casa, carro, mas nunca me aproveitei de ser a “mulher do Barão do Pó”. Se eu fosse para uma festa acompanhada de 20 pessoas, pagava a entrada das 20, não tentava entrada VIP, como outras mulheres de traficantes fazem.


Mudança de status
Do Saulo eu ganhei carro e outros presentes caros, mas sempre planejamos como gastaríamos nosso dinheiro. Foi assim com as casas e automóveis. Os presentes que trocamos eram voltados para a criatividade, como flores chegando de hora em hora, animais como papagaio, cachorro com laço, e declarações criativas em carro de som – eu cheguei a jogar flores para ele de um helicóptero. Claro que o lado financeiro era muito agradável. O que foi sentido intensamente após nossa separação. O padrão de vida mudou totalmente. Minha filha só ganhou um iPhone poucas semanas atrás, porque eu comprei para ela com o meu trabalho. O pai tem dinheiro para gastar dando casa a uma mulher, pagando implante de silicone para outra, mas para os filhos, nada. Tenho a guarda deles, o Saulo logo que foi preso pagava pensão alimentícia, mas hoje não paga mais, tem até processo em andamento sobre isso. Tenho que ralar para sustentar meus filhos, que foram acostumados com luxo e sentiram o abalo na vida financeira.


Fabiana afirma: "Meus filhos sentiram o abalo na vida financeira, mas ralo para dar-lhes tudo que eles têm" (Foto: Alex Santana)

Tensão constante no ar

Foram muitos momentos de tensão e perigo. A gente se relacionava com outros traficantes, que se tornavam perigosos não só pelo modo como eram conhecidos, mas também porque estavam foragidos. Na nossa casa tinham cinco homens que faziam a segurança, então eles acabavam entrando, criando intimidade conosco. De tensões em negociações desastrosas a emboscadas (e fugas) da polícia, muita coisa me marcou. Em uma das fugas do Saulo da prisão, tive que fazer barriga falsa com mais de R$ 80 mil e levar o dinheiro para a mulher de outro preso, que entregou a grana a um agente penitenciário que facilitou tudo. Já em outra ocasião, quando o Saulo estava preso e eu tinha que me virar para fazer tudo e pagar as contas, dois policiais de uma delegacia perto da minha casa bateram na minha porta com fuzis apontados para mim. Quando entraram, me deram um celular e uma voz medonha me falou para ir à delegacia. O motivo? Eles queriam arrancar dinheiro meu com a alegação de que eu estava controlando uma quadrilha de menores e distribuindo drogas pela Tijuca. Queriam R$ 10 mil. Não tinha a grana, não dei, não cedi à chantagem e eles, graças a Deus, desistiram dessa ideia maluca. Sabe quando você tem absoluta certeza de que não fez nada de errado e que, em hipótese alguma, terão como provar o que estão falando? Foi assim que me senti.


  Uma cena que nunca vou esquecer é do meu filho, com 10 anos de idade, com uma arma apontada para a cabeça dele. Nunca deixei-o tocar nas armas, embora elas ficassem penduradas na parede e em cima da mesa. Até quando ele ganhava armas de brinquedo de presente, nosso acordo era ele se desfazer e dávamos outra coisa a ele. Mas nesse dia de uma negociação, ele foi dormir e acordou com um fuzil apontado para a testa. Com o susto, perdeu até o ar. Foi muito triste vê-lo tão pequeno e inocente, passando por aquilo e não poder fazer nada.
 

Baronesa do Pó? Nunca mais!
Quando o Saulo foi preso, após a ocupação da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha, ainda estávamos juntos, porque eu, como uma trouxa, insistia em acompanhá-lo. Nos separamos em 2010, após várias tentativas minhas de manter o casamento. Ele foi detido em 2008, antes disso fugimos para uma praia em Alagoas, e eu queria muito recomeçar nossas vidas. Mas o Saulo queria mais: ele estava acostumado à falsa ostentação do tráfico. As pessoas nesse meio parecem poderosas, sendo que muitas vezes o status não condiz com o que elas têm realmente na conta bancária. O problema era ainda maior porque, enquanto o Saulo não podia se expor, eu resolvia tudo. Foi assim também quando ele ficou preso. Eu tinha que resolver problemas de casa, dos nossos filhos, dos negócios pendentes dele, quitar débitos e tudo que ele fazia quando estava solto. Em troca disso, meu marido não era mais o mesmo. Não havia mais amor ou carinho. Ele sequer me agradecia. De esposa, passei a ser uma secretária dele.



"Cansei do título de Baronesa do Pó e toda a ilusão da vida de antes", diz Bibi (Foto: Alex Santana)

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