Ruth Costas*Em São PauloBernardo Almeida/UOL

Homenagens ao juiz Sergio Moro têm sido comuns nos protestos antigoverno
Hoje, as milhares de pessoas que têm saído às ruas para protestar
contra a corrupção e o governo se unem na grande admiração pelo juiz de
Maringá (PR), responsável pelas decisões da Operação Lava Jato na
primeira instância. "Somos todos Moro", dizem cartazes nas manifestações
por todo o país.Para uma grande parte da população, Moro, da 13ª Vara Federal do Paraná, é um herói nacional.
Já simpatizantes do governo o acusam de "agir politicamente" e de
inflar os ânimos da população de forma "irresponsável", favorecendo um
"golpe" ao revelar o polêmico áudio de uma ligação entre o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff, exatamente no
dia marcado para a posse do ex-presidente como ministro-chefe da Casa
Civil.
Segundo investigadores da Lava Jato, a ligação sugere que
Lula foi nomeado ministro nesta quinta-feira para ter foro privilegiado
e fugir do alcance de Moro. Dilma nega e acusa o juiz de "afrontar
direitos e garantias da Presidência".
"Todas as medidas
judiciais e administrativas cabíveis serão adotadas para a reparação da
flagrante violação da lei e da Constituição cometida pelo juiz autor do
vazamento", diz nota emitida pelo Palácio do Planalto.
Para
Moro, "havia justa causa e autorização legal para a interceptação" e o
caso seria comparável ao do presidente americano Richard Nixon, que
renunciou em 1974 acusado de obstrução da Justiça.Rodrigo Félix Leal/Estadão Conteúdo
Magistrado atuou com a ministra Rosa Weber durante o julgamento do mensalãoLava JatoMuito antes da disputa aberta com Dilma, Moro foi arrastado ao centro
da crise política brasileira por fazer na Lava Jato algo sem
precedentes: investigar, prender e condenar um grande número de
empresários e políticos poderosos.
Até o ano passado, por
exemplo, se alguém dissesse que o presidente da maior empreiteira do
Brasil, Marcelo Odebrecht, iria para a cadeia por corrupção, poucos
acreditariam (há algumas semanas, ele foi condenado por Moro a mais de
19 anos de prisão).
"Moro é parte de uma geração de juízes e
promotores que se formou depois da ditadura e que tem uma visão
democrática e republicana bastante consolidada", opina José Álvaro
Moisés, diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP.
"Ele desafiou essa lógica até então consolidada no Brasil de que quem
tem recursos ou poder consegue escapar do alcance da lei."
Há quem tenha uma visão mais crítica – mesmo entre opositores do governo.
Alguns juristas, por exemplo, condenam algumas práticas do juiz na Lava
Jato – como os que veem uso abusivo do mecanismo de prisões
preventivas.
Mesmo a seção do Rio de Janeiro da Ordem dos
Advogados do Brasil soltou nota de repúdio às escutas de Lula, na qual
diz que o procedimento é "típico de estados policiais".
"É
fundamental que o Poder Judiciário, sobretudo no atual cenário de forte
acirramento de ânimos, aja estritamente de acordo com a Constituição e
não se deixe contaminar por paixões ideológicas", afirma o comunicado.
Edson Lopes Jr./UOL
Nos protestos antigoverno em São Paulo, cartazes e gritos de guerra homenageiam o juizPara Renato Perissinotto, cientista político da Universidade Federal do
Paraná (UFPR), Moro parece ter um senso de "missão" muito forte mas, no
atual contexto, é natural que desenvolva certa "vaidade", que queira
fazer "história" – e isso influencie seu trabalho.
"Apesar de aparentemente ele não ser partidário, sua atuação acaba tendo um caráter político", diz."Ao que tudo indica, essa operação (Lava Jato) vai pegar todo mundo.
Vai colocar em xeque o próprio sistema político, que sempre funcionou
com base em caixa 2. Mas o problema é que não sabemos o que vai surgir
com o colapso do sistema. Pode não ser algo melhor. Podemos ter a
ascensão de um líder radical. Enfim, tudo é possível. "
Tido
como sério e reservado – mas com um senso de humor refinado – Moro é
filho de um professor de geografia e cresceu em uma família de classe
média de Maringá.
Ele se formou em Direito em 1995 na
Universidade Estadual de Maringá. E em uma palestra para estudantes,
recentemente, confessou que até mais da metade do curso se questionava
se havia feito a escolha certa.
Mas se havia dúvidas, elas
parecem ter durado pouco. Em 1996, com apenas 24 anos, Moro passou em um
concurso para se tornar juiz federal. Fez mestrado e doutorado, estudou
na escola de direito de Harvard e participou de programas de estudos
sobre o combate à lavagem de dinheiro do Departamento de Estado dos EUA.
"Ele é extremamente estudioso e as experiências internacionais parecem
ter ajudado muito em sua formação. Cada vez que viaja volta com um monte
de livros", diz Carlos Zucolotto, amigo de Moro e de sua mulher,
Rosângela, que chegou a trabalhar em seu escritório de direito
trabalhista no Paraná.
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Governo diz que acionará juiz por tornar públicas conversas entre Lula e DilmaEm 2003, com apenas 31 anos, Moro pegou seu primeiro grande caso: o
Banestado, que investigou a remessa ilegal de US$ 30 bilhões ao exterior
entre 1996 e 2002.
Em 2004, participou da Operação Farol da
Colina, na qual dezenas de doleiros foram presos. E, em função dessas
duas experiências, em 2012 foi convocado pela ministra Rosa Weber para
auxiliá-la na investigação do mensalão.
"Ele dava aula na UFPR,
que tem muitos acadêmicos de esquerda, e lembro que sua atuação no
mensalão causou um certo mal-estar", diz um jurista do Paraná.
Hoje, sites e blogs de esquerda acusam o magistrado de ter ligações com a
oposição. Um deles chegou a publicar que sua mulher seria advogada de
um político do PSDB – o que ela nega. Outro diz que o pai do juiz teria
sido filiado.
"Conheço a família há muitos anos e posso garantir
que essas acusações são absurdas e já foram desmentidas", diz
Zucolotto. "Nenhum deles tem ligações com partido algum."
Um bom
ponto de partida para se tentar entender a cabeça de Moro é o artigo
que ele publicou em 2004 na Revista Jurídica do Centro de Estudos
Judiciários (CEJ) sobre a megaoperação italiana conhecida como Mãos
Limpas (Mani Pulite), que precipitou o colapso dos partidos tradicionais
desse país e serviu de inspiração para a Lava Jato.
Lá, ele
defende práticas e princípios que, mais tarde, gerariam alguma polêmica
também no Brasil, como o uso das delações premiadas e das prisões
preventivas para se avançar nas investigações, os vazamentos à imprensa e
a importância de uma opinião pública engajada para o sucesso da
operação."Sobre a delação premiada, não se está traindo a pátria ou alguma espécie de 'resistência francesa'", escreveu o juiz em 2004.
"Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros,
embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a
aplicação das leis de um país."
Para um jurista crítico, que
frequentou a UFPR quando Moro era professor, "ele sabe que para
conseguir as informações necessárias para avançar rapidamente nas
investigações precisa agir ali no fio da navalha, no limite da
legalidade, sempre justificando suas escolhas".
Sobre os
vazamentos à imprensa, por exemplo, o juiz defendeu o seguinte no artigo
da CEJ: "A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar
de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de
informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e
colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às
ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas
obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, de fato foi
tentado."
No texto, Moro estava se referindo à Operação Mãos
Limpas. Mas não é difícil ver como as suas justificativas para os
vazamentos das ligações de Lula cabem hoje nesse mesmo raciocínio.
*Colaborou Camilla Costa, da BBC Brasil em Londres
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